Riscos ambientais aumentam com cortes de investimentos da Petrobrás
outubro 14, 2020 | Categoria: Notícia
Reportagem: Juca Guimarães | Edição: Guilherme Weimann | Artes: Rangel Egidio
O monitoramento da costa brasileira para eventuais vazamentos de óleo e derivados está fragilizado desde que a Petrobrás colocou em prática o plano de “enxugar” suas operações, com hibernações e privatizações de diversos ativos, para concentrar esforços na exploração e produção do pré-sal, com campos localizados nos estados do Espírito Santos, Rio de Janeiro e São Paulo, principalmente.
Essa estratégia, iniciada logo após o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), em meados de 2016, tem resultado em reduções constantes em relação às verbas da estatal em indicadores sociais, como na área ambiental.
Entre 2016 e 2019, de acordo com levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o valor investido pela Petrobrás em projetos socioambientais foi de R$ 383 milhões. É uma redução de 73,9% em relação à quantia de R$ 1,47 bilhão investido nos quatro anos anteriores, entre 2012 e 2015.
No ano passado, o montante de R$ 116 milhões representou menos de um quarto do total investido em projetos socioambientais em 2013, que foi de R$ 495 milhões – maior aporte feito pela companhia nos últimos 17 anos.
Encolhimento da infraestrutura
Todos esses cortes estão impactando diretamente a infraestrutura da área de Segurança, Meio Ambiente e Saúde (SMS). No dia 1º de setembro, a estatal anunciou a redução de cinco para três o número de gerências de articulação e contingência.
A gerência da região Norte deixou de existir e foi incorporada a do Nordeste. A regional do Sul fechou e foi absorvida pela gerência setorial de São Paulo, que já inclui o monitoramento da região Centro Oeste.
Essas aglutinações nas atividades de monitoramento ambiental representam uma maior exposição da costa brasileira a possíveis vazamentos de navios petroleiros, refinarias ou empresas particulares do setor de óleo e derivados.
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Isso porque essas gerências são responsáveis pelos Centros de Defesa Ambiental (CDAs), que fazem um monitoramento 24 horas por dia para detectar vazamentos de óleo e derivados no meio ambiente.
Localizados em pontos estratégicos do país, os CDAs começaram a ser criados a partir de 2000 dentro de um plano de integração dos sistemas, diretrizes e protocolos de segurança ambiental que virou referência mundial. O processo de implementação do Projeto Estratégico de Excelência em SMS da Petrobrás foi feito entre 1997 e 2006.
Nesse período, foram criados manuais de gestão, ferramentas integradas de avaliação e auditoria, unidades de reabilitação de fauna, além de políticas corporativas de segurança ambiental.
Atualmente, grande parte dos 12 CDAs em operação no Brasil estão instalados em refinarias ou próximos a terminais de armazenamento de petróleo. Desse total, apenas quatro estão instalados nas regiões do pré-sal, onde a empresa deve focar suas operações e investimentos nos próximos anos.
Por isso, oito CDAs estão sob ameaça de fechamento ou de cortes nos seus investimentos. Cinco estão localizados no Nordeste (Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco e Rio Grande do Norte), um do Norte (Amazonas), um no Rio Grande do Sul e um no Centro Oeste (Mato Grosso).
No Norte, por exemplo, já foram fechadas bases e postos avançados, dentro de matas, para monitoramentos ambientais do CDA da Petrobrás. Podem ser fechadas as bases avançadas no Pará e em Minas Gerais.
Contenção de vazamentos
Em 2019, ocorreu um dos maiores vazamentos de óleo cru de alta densidade na costa brasileira, atingindo mais de três mil quilômetros de litoral, entre final de agosto e início de novembro. O óleo que contaminou o meio ambiente tinha alta concentração de hidrocarbonetos poliaromáticos (HPA), que é uma substância altamente tóxica.
Essas substâncias na escala molecular entram na cadeia alimentar e são cancerígenas, tóxicas e mutagênicas.
De acordo com o professor Rivelino Cavalcante, do Instituto de Ciências do Mar, da Universidade Federal do Ceará (UFC), a contaminação se torna mais letal na sua fase invisível.
“Com o passar do tempo, esse material se dispersa pelo ambiente. Ele sai do panorama de macro para micro partículas, nessas fases ainda é possível limpar o óleo. Depois ele passa para uma escala molecular. Nessa fase é onde está o maior risco, a olho nu não se enxerga, daí o impacto é maior. Essas substâncias na escala molecular entram na cadeia alimentar e são cancerígenas, tóxicas e mutagênicas”, explica Cavalcante, que estuda há mais de 15 anos os impactos dos hidrocarbonetos no litoral do semiárido nordestino.
O inquérito da Marinha Brasileira apurou que o óleo vazou em alto mar e a mancha de 4,5 mil toneladas trafegou submersa por 40 dias até chegar nas praias.
Segundo o professor Cavalcante, os impactos de um vazamento continuam por décadas. “As substâncias que compõe o petróleo são poluentes orgânicos persistentes, eles não se degradam facilmente nas condições do ambiente. A parte que não é retirada se dispersa por anos e tem contato com todos os organismos vivos”, alerta.
A transferência do patrimônio nacional para a mão de multinacionais ou estatais estrangeiras fragiliza o nosso sistema de conservação e coloca em risco a saúde de nossos ambientes marinho e costeiros.
Já o professor Paulo Antunes Horta, do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), avalia que o processo de privatização da Petrobrás é um dos fatores que pode explicar a maior debilidade no que diz respeito à preservação do meio ambiente brasileiro.
“Triste acompanharmos um processo de construção de décadas ser sorrateiramente vendido na bacia das almas. A transferência do patrimônio nacional para a mão de multinacionais ou estatais estrangeiras fragiliza o nosso sistema de conservação e coloca em risco a saúde de nossos ambientes marinho e costeiros”, afirma Horta, que é responsável pelo laboratório de ficologia, área da botânica dedicada ao estudo das algas.
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De acordo com Horta, a redução no monitoramento, com a eventual desativação de CDAs, aumenta o risco de degradação de ecossistemas, de forma irreversível, prejudicando a alimentação e a manutenção do modo de vida dos brasileiros que vivem no litoral.
“O acidente criminoso do ano passado ensina muito. Os prejuízos do processo de exploração de petróleo podem ser maiores que eventuais benefícios capitalistas de sua exploração, especialmente pelo fato de que com o processo de privatização o lucro é exportado para a mão de poucos, sendo que para nós restará compartilhar os prejuízos da degradação ambiental, da perda de produtos e serviços ecossistêmicos fundamentais para nosso povo, especialmente para as frações mais vulneráveis de nossa sociedade”, opina o professor.
Um trabalhador do Centro de Contingência e Resposta à Emergência da Petrobrás, que pediu para não ser identificado, disse que os CDAs não foram fechados ainda por conta da pandemia de covid-19, que atrasou a privatização prevista das refinarias, que poderá impactar os centros localizados no Amazonas, Bahia, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
O funcionário contou também que a atuação dos CDAs durante a crise do vazamento de óleo no litoral nordestino, em conjunto com a Marinha, foi um fator que pesou para que as unidades não fossem fechadas até agora. “Eles mostraram, na crise, a sua importância e valor”, disse.
Atualmente, na pandemia, os funcionários dos CDAs estão trabalhando em escalas reduzidas, de sobreaviso e teletrabalho. Nas unidades, ficam de duas a três pessoas acompanhando os serviços de manutenção e rotinas básicas.
A reportagem entrou em contato com a Petrobrás, o Ministério do Meio Ambiente e com a Marinha perguntando sobre a redução nos investimentos em segurança ambiental e sobre a situação dos CDAs que não estão na área de exploração do pré-sal e correm o risco de fechamento. No entanto, nenhuma das instituições respondeu aos questionamentos até o fechamento desta reportagem.
Tag: óleo, petrobras, Riscos ambientais, vazamentos