A troca no comando da Petrobrás gera muita expectativa entre os petroleiros. De um lado, a categoria comemora a saída de Roberto Castello Branco, que deixou a presidência da estatal no início desta semana. “Ele fez um péssimo serviço para a companhia e para o país. Quando se sentou na cadeira de presidente da Petrobrás, Castello Branco disse que seu sonho era vender a empresa. Para mim, é algo inconcebível”, afirmou o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar (foto). “O que é positivo, sem dúvida alguma, e temos certeza disso, é a saída do Roberto Castello Branco”, completou. Enquanto isso, a FUP está preparando um conjunto de sugestões e temas importantes para discutir com o novo presidente da estatal, o general Joaquim Silva e Luna, cuja posse deve ser confirmada na próxima reunião do Conselho de Administração. Sobre a Refinaria Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, Bacelar irá alertar o novo presidente sobre irregularidades no processo de venda no ativo. Os problemas vão desde o preço baixo fechado para a negociação até inconsistências na criação da subsidiária em que a refinaria foi alocada. “A subsidiária que foi criada, a Refinaria Mataripe S.A., agrega todos os ativos relacionados à RLAM. Essa nova empresa nem tinha CNPJ até o dia da assinatura do contrato”, alertou. A FUP também apresentará uma proposta de política de preços de derivados, que envolve questões tributárias e nacionalização dos custos. Durante a entrevista ao Petronotícias, Bacelar disse ainda que levará até Silva e Luna a necessidade de a empresa passar a aumentar seus investimentos na indústria local. “Ao invés de construir navios, plataformas e sondas no Brasil, a gestão da Petrobrás está contratando essas grandes obras na China, no Japão, em Singapura e outros países. Estamos falando de 84 mil empregos diretos da indústria naval brasileira. Essa geração de empregos agora está em outros países”, declarou.
Vamos começar nossa conversa falando sobre a venda da RLAM. A FUP é uma crítica da negociação do ativo. Quais seriam os malefícios para a Petrobrás com esse desinvestimento?
Haverá prejuízos para a Petrobrás. Estamos falando de um grande mercado consumidor, o maior fora do eixo Rio-SP e com potencial de crescimento maior do que o do eixo Rio-SP. Temos aqui [referindo-se ao Nordeste] uma indústria em ascensão. Um mercado com possibilidades de crescer e de ter a demanda ampliada. Para a Petrobrás, essa venda significa perder grau de participação no mercado brasileiro de derivados, que é o sétimo maior do mundo. Isso faz também com que a Petrobrás deixe de ter um ativo que gera caixa.
Os resultados dessa refinaria, especificamente, chegam próximo ao valor de R$ 1 bilhão por ano. Em 2016, por exemplo, a RLAM fechou o ano com um lucro operacional de R$ 780 milhões. É uma planta que gera valor para a companhia. Inclusive, se não fossem as refinarias da Petrobrás, teríamos um problema grande no Brasil, em virtude da pandemia. Os resultados positivos operacionais em 2020 foram por conta do parque de refino da empresa, com uma boa participação da refinaria da Bahia – responsável por 30% das exportações de óleo bunker para o exterior.
É um risco dar prosseguimento a esse processo de venda, por conta do valor oferecido pelo Fundo Mubadala. Além disso, o momento não é propício para negócios como esse. Ainda estamos em uma pandemia. Os ativos de petróleo e gás estão desvalorizados em todo o mundo. E por incrível que pareça, o Fundo Mubadala foi o único ofertante no processo. Por isso, ratificamos aqui que, sim, nós estaremos responsabilizando civil e criminalmente todos os conselheiros que aprovaram essa decisão, inclusive o Castello Branco. Até porque a pressão para aprovação da venda foi dada por ele, mesmo sendo quase um ex-presidente da empresa, pois já tinha sido demitido.
Outro ponto muito discutido sobre a RLAM é o preço de venda. A própria FUP tem batido na tecla de que a refinaria valeria pelo menos o dobro do valor ofertado pelo Fundo Mubadala. Qual sua avaliação sobre o tema?
Infelizmente, o que está acontecendo com a RLAM, por conta da decisão do Castello Branco e do Conselho de Administração, é uma entrega de um patrimônio público por menos da metade de seu valor. As avaliações do Ineep, da XP Investimentos, do BTG Pactual e da própria Petrobrás colocam que essa venda está sendo feita a preço vil.
Conseguimos fazer esse questionamento a diversos órgãos de fiscalização. Entramos com uma ação na Justiça Federal questionando isso, que inclusive teve as assinaturas dos senadores Jaques Wagner e Otto Alencar. Estamos também na expectativa para que o Tribunal de Contas da União (TCU) suspenda essa venda, por conta do prejuízo ao erário público.
Estão alegando que estou divulgando informações sensíveis e confidenciais da empresa. Essa é uma das informações que nós, sim, estamos divulgando. E continuaremos a divulgar. A gestão da Petrobrás precisa explicar-se para os petroleiros e também para a sociedade.
Qual a expectativa da FUP em relação à atitude da nova gestão da Petrobrás sobre esse caso da RLAM?
Como haverá mudanças na alta administração da Petrobrás, acreditamos que essa decisão açodada e apressada do Castello Branco seja revista. Soubemos que houve pressão dele nos conselheiros que estavam presentes para que essa aprovação fosse feita naquela última reunião do Conselho de Administração [realizada no dia 24 de março]. Acreditamos muito que com uma decisão do TCU, com os órgãos fiscalizadores cobrando a Petrobrás e com a tramitação da nossa ação judicial, a nova gestão poderá reconsiderar ou reavaliar essa decisão.
Quais seriam as sugestões da categoria caso fosse provocada a opinar sobre a condução da venda da refinaria, que inclusive já foi assinada no final de março.
Na verdade, houve no Conselho de Administração uma decisão para a assinatura. O que assinaram, de fato, é uma grande questão. A subsidiária que foi criada, a Refinaria Mataripe S.A., agrega todos os ativos relacionados à RLAM. Essa nova empresa não tinha nem CNPJ até o dia da assinatura do contrato. Nós temos consciência de que há problemas diversos nesse processo de criação dessa subsidiária.
Inclusive, é bom lembrar sempre, o Supremo Tribunal Federal (STF), ele indeferiu sobre uma medida cautelar [referindo-se à decisão do STF de autorizar a venda de subsidiárias sem autorização do Congresso]. Não há ainda uma decisão sobre o mérito daquele processo a respeito do que é possível ser privatizado no Brasil sem a anuência do Congresso Nacional.
Interessante que, na última quinta-feira, o Congresso Nacional, em uma reclamação feita pelo seu presidente Rodrigo Pacheco, provoca de novo o STF sobre essa venda. O Congresso Nacional entende que há uma irregularidade de uma ação inconstitucional que foi feita pelo Conselho de Administração da Petrobrás. Há problemas na criação da subsidiária. Esse é um alerta que daremos, no momento oportuno, para o novo presidente da Petrobrás, assim que ele tomar posse de fato do cargo.
A política de preços de derivados certamente será um tema vital a ser tratado pelo novo presidente, diante dos recentes acontecimentos. O que a FUP tem a propor nesse aspecto?
É importante destacar que tudo a respeito da venda RLAM tem muito a ver com a preocupação do Silva e Luna em relação ao preço dos combustíveis. Se há uma intenção da nova gestão da Petrobrás de mudar sua política de preços dos combustíveis, essas privatizações, inclusive a da RLAM, trarão prejuízos para a tentativa de modificar o preço de paridade de importação [PPI].
Estamos falando sobre isso com base em informações que já foram divulgadas pela imprensa, que apontaram para o interesse do Castello Branco aprovar isso [a venda da RLAM] de forma acelerada. Isso pode tirar a possibilidade do estado, de alguma maneira, definir a política de preço dos combustíveis.
Ao tirar da RLAM da mão do estado brasileiro, o PPI ficará estabelecido no mercado. Assim, o investidor que assumirá a refinaria vai trabalhar, no mínimo, com o parâmetro do PPI ou até com preços maiores. É importante fazer essa sinalização para o novo presidente, já que há uma preocupação em relação aos preços dos combustíveis.
Qual seria a melhor alternativa para a Petrobrás estabelecer uma nova política de preços?
Com certeza teremos a tranquilidade e responsabilidade de apresentar uma proposta. Estamos abertos a isso. Temos uma proposta a apresentar à nova gestão da Petrobrás. Em linhas gerais, essa política de preço não seria nada muito diferente do que é praticado em outros grandes produtores de petróleo e gás, como China, Rússia, Arábia Saudita e o Canadá. Do total de 127 países que são grandes produtores de petróleo no mundo, a maioria esmagadora não pratica o preço de paridade de importação. E não fazem isso porque os custos de produção do petróleo e dos derivados [internamente] são muito mais baixos na comparação com o mercado internacional.
Observar os custos nacionalizados da extração e produção de petróleo e o custo do refino é importante para formar preços no Brasil. E não basear-se apenas no preço do barril no mercado internacional, na oscilação do dólar e nos custos de importação. Não faz sentido isso para um país como o Brasil, que tem petróleo suficiente e refinarias que atendem a 90% da demanda interna.
Também vamos sinalizar para a gestão da empresa que as refinarias ainda não estão operando em sua capacidade máxima, como operavam até 2015. Subutilizar as refinarias significa abrir espaço para importadores trazerem derivados de outros países com o preço de paridade de importação. Quem paga essa conta é o cidadão brasileiro.
Estamos dispostos a apresentar essa proposta, construída pela FUP e o Ineep, com pesquisadores que estão na academia há décadas e que estudam o setor há muito tempo. É uma proposta de política de estado que garante a rentabilidade da Petrobrás, porque é uma empresa de capital aberto, com ações listadas na Bolsa de Valores. Ainda assim, a Petrobrás pode fazer essa política de forma mais justa, maximizando seus lucros e sem prejudicar o cidadão.
A nova gestão da empresa precisa também dialogar mais com os trabalhadores e trabalhadoras do movimento sindical. Há uma necessidade da gestão da empresa estabelecer um canal de diálogo para não termos a necessidade de conviver com uma série de conflitos estabelecidos em todo o Brasil. Se uma porta [de diálogo] é aberta com o movimento sindical petroleiro, temos a possibilidade de construirmos juntos soluções para esses conflitos.
Os investimentos da Petrobrás em queda desde 2015. Esse tema estará entre as propostas que serão apresentadas pela FUP?
Infelizmente, por conta das mudanças no governo, tivemos uma queda muito brusca dos investimentos da Petrobrás aqui no Brasil. Só para lembrar, os investimentos da empresa em 2020 foram os mais baixos que já tivemos nos últimos 20 anos. É um número alarmante. Isso significa que nós deixamos de investir no país algo em torno de US$ 48 bilhões por ano. No novo plano de negócios que foi posto, a empresa investirá US$ 8 bilhões por ano. Como eu disse, é a maior redução da capacidade de investimento da Petrobrás nos últimos 20 anos.
Sem dúvida alguma, outra coisa que vamos pontuar para a nova diretoria é que a Petrobrás precisa voltar a investir aqui no Brasil. Precisamos retomar os índices de conteúdo local. No passado, eles estavam em 55%, em média, e hoje despencaram para algo em torno de 25%. Ao invés de construir navios, plataformas e sondas no Brasil, a gestão da Petrobrás está contratando essas grandes obras na China, no Japão, em Singapura e outros países. Estamos falando de 84 mil empregos diretos da indústria naval brasileira. Essa geração de empregos agora está em outros países.
A Petrobrás precisa voltar a investir no Brasil. Seja nas grandes obras ou na pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias. Eram investimentos que somavam em torno de US$ 1 bilhão por ano e que despencaram nas últimas gestões. A empresa também necessita, a partir de sua renda petrolífera, fazer investimentos na transição energética, observando as energias renováveis e o gás natural.
Ao invés disso, a Petrobrás está concentrando seu investimentos no pré-sal brasileiro, por conta da alta produtividade dos poços para gerar receitas e dividendos para os acionistas minoritários. Não se preocupam com a possibilidade que a Petrobrás tem de fazer investimentos que tragam retorno para todos.
De fato, o foco da Petrobrás nos últimos anos tem sido quase que exclusivo no pré-sal…
Mesmo os investimentos no pré-sal foram reduzidos. Um dado que é importante destacar são as reservas provadas da Petrobrás, que vêm caindo ao longo do tempo. Isso porque não se faz investimentos para desenvolver as reservas que foram descobertas. Ao não comprovar que as reservas têm potencial comercial e econômico, consequentemente as reservas provadas não crescem. Justamente pela queda de investimentos em exploração, principalmente, a empresa vem reduzindo sua reserva provada e colocando em risco o futuro de uma gigantesca empresa do setor de petróleo e gás.
Por fim, qual sua expectativa geral com troca de comando na Petrobrás e com a chegada de Silva e Luna?
O que é positivo, sem dúvida alguma, e temos certeza disso, é a saída do Roberto Castello Branco. Ele fez um péssimo serviço para a companhia e para o país. Quando sentou na cadeira de presidente da Petrobrás, Castello Branco disse que seu sonho era vender a Petrobrás. Para mim, é algo inconcebível. Sobre o novo presidente, há uma expectativa em cima desses pontos que coloquei nesta entrevista, que vamos apresentar como propostas para nova gestão. A nossa expectativa é que esses pontos sejam tratados pela nova gestão.
Vamos cobrar também atenção da nova diretoria com o surto de Covid-19 na Petrobrás. Já morreram mais de 80 trabalhadores da empresa, entre próprios e terceirizados. E, desde o início da pandemia, mais de 6.000 trabalhadores foram contaminados nas unidades da Petrobrás, segundo dados do próprio MME.