Negacionista também na economia: dados de emprego do governo não são reais
agosto 4, 2021 | Categoria: Notícia
“Bolsonaro e Guedes usam de artifícios e distorção de informações para propagandear uma realidade de crescimento econômico e geração de empregos que não existe”, afirma Sérgio Nobre, presidente Nacional da CUT
O governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) é negacionista no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, quando recomenda medicamentos ineficazes para combater a Covid-19 e promove aglomerações, ao contrário do que recomendam os cientistas, e é negacionista também quando lida divulga dados distorcidos sobre geração de emprego.
A afirmação é do presidente Nacional da CUT, Sérgio Nobre, que se baseia em pesquisas com metodologias confiáveis, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad-Contínha), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma das pesquisas mais avançadas do mundo, que segue as recomendações dos organismos de cooperação internacional, em especial a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“Bolsonaro e Guedes usam de artifícios e distorção de informações para propagandear uma realidade de crescimento econômico e geração de empregos que não existe”, afirma Sérgio Nobre, se referindo ao presidente e ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que divulgam com estardalhaço os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) que, na verdade, não retratam a realidade total do mercado de trabalho no Brasil.
Enquanto o governo anunciou a criação de 1,5 milhão de postos no primeiro semestre, segundo os dados do Caged, o IBGE revelou que a taxa de desemprego do primeiro trimestre de 2021 foi de 14,7%, o que representa 14,8 milhões de desempregados.
Para se defender do fiasco, Guedes criticou o método utilizado pelo IBGE para fazer a Pnad-Contínua. Vive “na idade da pedra lascada” disse ele, alegando que a metodologia do Instituto está ultrapassada.
O que Guedes não disse é que a distorção está justamente nos métodos utilizados para fazer as duas pesquisas. O Caged soma as admissões e subtrai os desligamentos, ou seja, mostra dados apenas de quem foi efetivamente contratado com carteira assinada, mesmo que seja intermitente e sem direitos, e não apresenta um número real do desemprego no país.
Já a Pnad avalia, de forma mais aprofundada, a realidade do mercado de trabalho. E essa realidade não é nada boa para o ministro e o presidente que, em dois anos e meio de governo, não fizeram investimentos nem apresentaram sequer uma proposta efetiva de geração de emprego.
A pesquisa do IBGE leva em consideração o emprego e o desemprego por diferentes vertentes, explica a técnica da Subseção da CUT Nacional do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Adriana Marcolino.
“Para ter uma dimensão da realidade do mercado de trabalho, é necessário saber quantas pessoas estão trabalhando, quantas estão desempregadas, quantas procuram emprego, quantas deixaram de procurar um trabalho, quantas partiram para a informalidade, e o Caged não mostra isso. Mostra somente quem tem emprego formal, com carteira assinada, inclusive estagiários e trabalhadores com contratos intermitentes”, pontua Adriana.
Na modalidade intermitente, criada pela reforma Trabalhista de Michel Temer (MDB-SP), o trabalhador ou trabalhadora fica à disposição do patrão, aguardando, sem remuneração, ser chamado para trabalhar. Enquanto não for convocado, não recebe. E, quando chamado para executar algum serviço, a renda é proporcional às horas efetivamente trabalhadas, que podem resultar em um salário menor do que o piso nacional de R$ 1.100. Com a reforma, esse tipo de contrato foi legalizado e entrou nos cálculos do Caged.
A Pnad-Contínua mostra a realidade porque, além de enxergar quem está no mercado de trabalho, enxerga também o grande contingente de trabalhadores que não está trabalhando e investiga os motivos, ou seja, apura se o trabalhador realmente está fora do mercado porque não consegue encontrar um trabalho minimamente digno, porque não tem mais dinheiro para procurar, ou se em uma única semana não teve condições de procurar emprego por diversos motivos – e analisa em todo o pais.
A Pnad-Contínua investiga ainda se o trabalhador está fora desse grupo porque é informal, autônomo ou faz bicos revelando, assim, a gravidade da situação da classe trabalhadora, que só piora desde o golpe de 2016, e possibilitando inúmeras análises sobre o mercado de trabalho brasileiro, como a que fez o presisdente da CUT.
“Temos 177 milhões de pessoas em idade de trabalhar. Dessas, 100 milhões estão na força de trabalho, mas só 86 milhões estão ocupadas. O que é mais chocante ainda é que apenas 30 milhões têm carteira assinada. O resto é informal ou desempregado”, ressalta Sérgio Nobre.
Força de trabalho é a soma das pessoas que estão disponíveis para trabalhar e que tentam encontrar emprego, mas não conseguem, mais as pessoas que estão trabalhando, as ocupadas. Por isso, a Pnad mostra que o número de pessoas ocupadas aumenta e a taxa de desemprego continua a mesma ou até subindo.
Metodologia reconhecida
A credibilidade da Pnad-Contínua do IBGE é atestada por vários especialistas. Ela foi implantada em todo o território nacional em 2012, com a inclusão de indicadores e metodologia que engloba todos os movimentos do mercado de trabalho. A Pnad foi elaborada após de debates internacionais com organizações que lidam com estatísticas a partir das mais atuais diretrizes de como deve ser feita uma análise de mercado de trabalho.
“Todas essas variáveis não eram acompanhadas antes e passaram a compor o quadro de análise do mercado de trabalho. A pesquisa capta todas as nuances da realidade além do ‘estar desempregado ou empregado’. E é pesquisa bastante atual, que está em consonância com padrões internacionais e com as transformações no mundo do trabalho”, afirma Adriana Marcolino.
Maquiagem
A exemplo do enfrentamento à pandemia, em que o Bolsonaro não levou em consideração a base da ciência para priorizar vacinas e propagandeou remédios ineficazes como a Hidroxiclorquina e a Ivermectina para o tratamento de pacientes com Covid-19, o que é feito para se ter números mais exatos em relação ao emprego, segue a mesma linha.
Ou seja, prefere-se dados parciais para alardear um crescimento que não condiz com a realidade. Adriana Marcolino explica que “na cabeça de Paulo Guedes, é normal haver no mercado de trabalho empregos ‘de fome’, o padrão de miséria para os trabalhadores, a informalidade e por isso, dados que mostram o cenário real são atacados”.
E o ataque, segundo ela, não fica apenas no discurso. “No governo Dilma, a pesquisa saia um mês depois de fechado o período. A última pesquisa foi divulgada no fim de julho e se refere a março. Acontece isso porque estão sucateando o IBGE que não tem condição e realizar a pesquisa em tempo hábil para acompanharmos sem atraso”, ela diz.
Trabalho precário em pauta
Ainda na linha de Guedes – de que é normal haver precarização – o novo Ministério do Trabalho e da Previdência, comandando por Onyx Lorenzoni, estuda contratar trabalhadores temporários, com direitos reduzidos, para funções em serviços públicos municipais, estaduais e federais.
Uma das discrepâncias da proposta, em relação à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), seria a jornada, menor do que o padrão de oito horas e o salário inferior ao mínimo de R$ 1.100.
De acordo com reportagem da Folha de SP, a medida ocorreria esta semana, mas a equipe de Lorenzoni ainda trabalha na elaboração da proposta.
Principais diferenças entre as pesquisas
O Dieese elaborou um quadro comparativo entre as duas pesquisas mostrando suas metodologias e justificando os motivos que fazem da Pnad-Contínua uma pesquisa mais abrangente e, portanto, que retrata melhor o quadro do mercado de trabalho no Brasil.