Desmanche da Petrobras na Bahia começou pelo interior, diz diretor do Sindipetro
novembro 4, 2019 | Categoria: Notícia
Nos últimos dias, Petrobras e petroleiros estão em constantes debates sobre o desmanche da petrolÃfera na Bahia, principalmente o fechamento da Torre Pituba e demais departamentos da empresa, cuja base de descoberta e produção de óleo estão aqui desde 1939, quando o primeiro poço foi descoberto, no Lobato, região do Subúrbio de Salvador.
Mas o desmanche da estrutura fÃsica e redução de pessoal da Petrobras iniciaram na década de 1990, quando a empresa começou a transferi via regime de comodato, suas principais bases administrativas e gerenciais nas principais cidades de produção de petróleo.
Catu, Alagoinhas, Entre Rios, Candeias, Pojuca e São Sebastião do Passé foram as cidades mais atingidas pelo desmantelamento da Petrobras no interior, mesmo sendo responsável por quase 100% do petróleo produzido no estado.
A primeira cidade do interior a sofrer esse impacto foi Catu, diz Radiovaldo Costa, diretor de comunicação do Sindicato dos Petroleiros da Bahia. Ele conta que a Petrobras possuÃa uma grande base administrativa, um hospital e um conjunto residencial na cidade, mas a partir de meados da década de 1990 a empresa começou a mudar sua polÃtica administrativa e passou a concentrar suas ações na capital, principalmente na Jequitaia e Pituba.
A empresa então desativou sua unidade gerencial e administrativa em Catu, transferindo para a prefeitura a sua estrutura, uma das maiores do interior da Bahia, para a prefeitura local, que criou um centro administrativo e um hospital municipal, ambos no mesmo espeço fÃsico.
A área tem mais de dez mil metros quadrados e é composta de várias salas, estacionamento, cozinha e grande área de circulação. Hoje, a prefeitura utiliza como sede de suas secretarias.
A cidade de Alagoinhas, onde concentra Buracica e parte de Panelas, áreas de grande produção de petróleo na Bahia, nunca teve uma base administrativa. A Petrobras tinha um terreno de dez mil metros quadrados no centro da cidade, mas desistiu de seu projeto de construir ali uma base gerencial regionalizada, centralizando as ações dos municÃpios produtores de petróleo no entorno.
A Petrobras doou o terreno, ainda no final da década de 1980, para a Prefeitura de Alagoinhas, onde hoje está sendo construÃda uma praça pública, cuja obra deve ficar pronta até meados de 2020.
A cidade de Alagoinhas, na região Litoral Norte e Agreste Baiano, ficou conhecida entre as décadas de 1960 e 1980, perÃodos áureos de produção de petróleo, como uma cidade dormitório, pois abrigava o maior número de petroleiros do interior da Bahia. Dormitório porque os petroleiros trabalhavam nas bases e apenas dormiam em Alagoinhas.
A expansão do petróleo em Alagoinhas foi tão grande nessas duas décadas que o recrutamento de trabalhadores era feito nas ruas. “Quer trabalhar com petróleo, ganhar muito dinheiro e ter estabilidade? Era a pergunta básica e o trabalhador estava contratado, independentemente de sua formação na área ou certificado de conclusão de nÃvel médio ou curso universitário.
Nas mesmas décadas, Madre de Deus e São Francisco do Conde recebiam a implantação do RLAM – Refinaria Landulpho Alves e o porto de atracamento e distribuição de petróleo. Além de produzi petróleo cru, a base servia também para receber petróleo refinado de outros paÃses.
Estava sendo criada uma das áreas mais ricas na área de produção de petróleo do paÃs, gerando milhares de empregos e renda, além da geração de impostos e dividendos para o paÃs, especialmente para a Bahia.
Nas décadas de 1990 e 2000 a produção de petróleo caiu e a geração de emprego também. Os campos maduros da Petrobras começaram a ser leiloados e vendidos para petrolÃferas menores ou até de grande porte, que hoje representam grande parte da exploração no interior da Bahia.
A cidade de Candeias, lembra Radiovaldo Costa, também tinha uma base de apoio na cidade de Candeias. Eram galpões e prédios que ao longo do tempo foram sendo inutilizados, fruto do desmanche e da transferência administrativa em Salvador.
A cidade de Entre Rios, que tem, ao lado de Cardeal da Silva, uma das maiores jazidas de produção de petróleo da Bahia, também foi sofrendo com a redução de produção de petróleo. Havia na cidade uma grande base administrativa, doada em regime de comodato à Prefeitura local, que utiliza o espaço nos mesmos moldes de Catu.
A cidade de Pojuca também passou pelo processo de implantação de estruturas administrativas e desmanche. Responsável por uma das maiores áreas de produção de petróleo e gás da Bahia, em Miranga, Pojuca ainda enfrenta outro problema, o questionamento jurÃdico da área com o municÃpio de Catu. A Assembleia Legislativa da Bahia já deu parecer sobre o assunto, ficando a região com os pojucanos. Mas os Catuenses ainda não se conformam com a decisão, que suscita novos argumentos e embrglios jurÃdicos. Em jogo, milhares de royalties para a prefeitura que possuir, em definitivo, a área de produção.
A cidade de Salvador sofreu um processo inverso. Houve um inchaço na estrutura fÃsica e administrativa com a construção da Torre Pituba, anexo a um prédio administrativo que já existia desde a década de 1970, mas que concentrava todas as ações gerenciais da empresa.
A estrutura na capital ainda contava com um prédio de cinco andares na Lucaia, na cidade Baixa, onde funcionava a superintendência regional. As comemorações ao cinquentenário da Petrobras foram concentradas na superintendência, que promoveu uma série de eventos.
Havia, naquela época, independência gerencial e administrativa da empresa para ações locais, transferidas para a sede principal da empresas a partir do final da década de 1990, quando se deu o processo de desmanche da Petrobras na Bahia.
Esse prédio da Lucaia foi transferido para o Governo do Estado em regime de comodato, onde hoje funciona uma escola técnica, abrigando centenas de estudantes.
Hoje, segundo Radiovaldo Costa, esse desmanche da Torre Pituba, a doação do prédio da Lucaia e a consequente diminuição da produção de petróleo nos campos maduros da região de Alagoinhas e Rfegião Metropolitana de Salvador, são responsáveis pelo desemprego de milhares de trabalhadores do ramo.
A empresa lançou, recentemente, um PDV-Plano de Demissão Voluntária, onde um trabalhador se desliga do empresa, mas tem suas garantias trabalhistas asseguradas pela Constituição.
A ausência da Petrobras nessas cidades não significou o fim da produção de petróleo na Bahia. Os campos continuam produzindo, porém numa escala menor.
As empresas privadas que adquiriram os campos nessas regiões continuam gerando impactos positivos na geração de emprego e no volume de arrecadação de royalties aos municÃpios.
Em Alagoinhas, por exemplo, a rede hoteleira tem uma ocupação de 85% a 95% durante sete dias na semana. Grandes bandeiras hoteleiras como o Ãbis já se instalaram no municÃpio e com grande impacto econômico.
Além da área de produção de petróleo, o setor de produção de bebidas como cervejas, sucos, refrigerantes e água mineral corroboram para esse crescimento exponencial da rede hoteleira na cidade.
Petrobras mudou o perfil da economia na zona rural
Antes moradores de áreas inóspitas e com casas feitos à base de taipas, as regiões produtoras de petróleo criou um novo perfil econômico, transformando vidas de pequenos e médios produtores, acostumados ao plantio de mandioca, amendoim e abóboras.
Com a descoberta do petróleo em suas pequenas e médias propriedade e com a garantia Constitucional de devolução de parte dos lucros, a Petrobras passou a distribuir royalties entre essas famÃlias, transformando completamente a vida de todas elas.
Hoje, ao invés de produtores, a maioria é proprietário de boas casas, carros e gordas contas bancárias. A descoberta do petróleo em seu quintal elevou também a expectativa de vida. Com a melhoria em seus rendimentos, os pequenos e médios produtores passaram a desfrutar de uma vida melhor.
Outros deixaram suas casas como veraneio, passando a viver nas cidades do entorno. Isso causou um grande impacto imobiliário e econômico. Seus filhos passaram a estudar em boas escolas e faculdades, o que possibilitou a chegada nos últimos 20 anos de pelo menos dez faculdades em Alagoinhas, ampliação da UNEB e criação de vários cursos em EAD.
Alagoinhas é pioneira no carro movido a gás
O cinquentenário da Petrobras na Bahia levou para a cidade de Alagoinhas a apresentação do primeiro carro movido a gás natural do Brasil. A exposição aconteceu na praça Graciliano de Freitas, seguida de uma audiência pública organizada pela superintendência da Petrobras na Bahia, liderada pelo assessor da empresa, Albino Leite.
A novidade chegou à cidade em 1993 e foi motivo de grande comemoração para o estado, que recebia os primeiros carros movidos a gás nos anos subsequentes.
O problema era o abastecimento. Ainda não havia legislação e postos de abastecimento de gás na região, o que só aconteceu seis anos depois, quando o primeiro posto de gás natural – GNV, foi inaugurado na cidade.
Antes disso, apenas Salvador, Madre de Deus e São Francisco do Conde tinham esses postos. A frota da Petrobras era abastecida com o GNV, como forma experimental.
Bahia tem ligação com o petróleo desde 1939
A descoberta do petróleo no Brasil se deu em 21 de janeiro 1939, no bairro do Lobato, em Salvador, onde está fincado um marco do local onde a descoberta se deu. Radiovaldo Costa relembra essa história, mas também pontua algumas coisas que trazem à luz indagações feitas ao longo das últimas décadas.
Descoberta pelo engenheiro Ignácio Bastos, o poço de petróleo do Lobato, segundo Radiovaldo, ainda era insuficiente para produção em longa escala. Isso gerou uma série de especulações, inclusive internacionais, de que o não havia petróleo no Brasil.
Com tecnologias tacanhas e pouca esperança sobre a existência do ouro negro no Brasil, Ignácio Bastos iniciou uma cruzada em defesa do petróleo e sua existência fÃsica no Lobato.
O petróleo havia, mas em quantidade inferior à capacidade de exploração refino e consequente utilização como matriz energética para as finalidades da época.
A descoberta do segundo poço, esse na cidade de Candeias, em 1941, é que deu a Ignácio Bastos a garantia de produção em escala. Naquele poço descoberto havia quantidade suficiente para extração, produção e refino. Dava-se inÃcio à exploração de petróleo no Brasil, criando o CNP – Conselho Nacional do Petróleo.
O Campo de Candeias, como é conhecido, até hoje ainda produz petróleo e é reconhecido nacionalmente como o poço a produzir a primeira leva de petróleo no Brasil, mas não é o marco, que continua com Lobato.
Ativo há quase 80 anos, o poço 1, de Candeias, foi também a mola propulsora para a criação da RLAM – Refinaria Landulpho Alves, em São Francisco do Conde e da base marÃtima em Madre de Deus.
A RLAM está prestes a completar 50 anos. Ela foi construÃda em 1950, dando impulso, em 1953, para a criação da Petrobras, que passou a ser proprietário de todo o espólio do antigo CNP – Conselho Nacional do Petróleo, admitiu os antigos trabalhadores do CNP e, apesar de todas as informações contrárias, colocou o Brasil numa posição estratégica em relação ao mundo.
A expansão da Petrobras na Bahia se deu em diversos lugares, tendo como destaque o campo de Buracica, na região de Alagoinhas e Catu, que continuam produzindo petróleo até hoje.
Depois veio a expansão na exploração de petróleo em outros estados como Sergipe e Alagoas, sendo descobertos poços importantes e que impactaram social e economicamente na vida de pequenos e médios municÃpios.
Petrobras sai, mas deixa passivo ambiental irrecuperável
A presença da Petrobras na região de Alagoinhas foi importante do ponto de vista da economia, mas foi danoso para o meio ambiente. Desde o seu primeiro mandato como vereador, o Jorge Gonçalves, morador à época de Boa União, região que faz parte de Buracica, sempre apresentou na Câmara Municipal fotos dos impactos ambientais gerados pela petrolÃfera.
Como a exploração de petróleo exige muito uso de água oriunda de poços artesianos e dos próprios poços de petróleo, os restos eram jogados nos rios, pequenas aguadas e ou despejados aleatoriamente.
Isso provocou a contaminação do lençol freático e dos rios. O vereador, na época, apresentou a água depositada em garrafas e fotos dos lugares degradados, tendo o respaldo dos moradores da região que já não podiam consumir a água dos riachos.
A expansão da rede de água encanada através do SAAE – Sistema Autônomo de Ãgua e Esgoto de Alagoinhas, responsável pelo abastecimento de água, foi diminuindo esse impacto, mas não acabou com a degradação provocada pelas brocas e derrame de óleo e água suja nos rios e afluentes.
Por Vanderley Soares
Gazeta dos Municípios