Ultratividade pela luta
agosto 22, 2019 | Categoria: Notícia
A Ultratividade de uma Lei é a sua aplicação posterior a sua vigência, princípio do direito muito utilizado no direito das sucessões e contratos, ambos no âmbito do Direito Civil. Este princípio também é utilizado no Direito Penal para beneficiar o réu quando a nova Lei que revoga anterior lhe traz prejuízo, ultrativando a norma revogada para beneficiá-lo pela regra menos danosa.
A reforma trabalhista expressamente impediu a ultratividade dos acordos e convenções coletivas, que é lei entre as partes que os subscrevem, nos termos do art. 614, § 3o da CLT, vejamos “Não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)”.
Portanto, em que pese continuar a ser utilizado em outros ramos do Direito, inclusive do Direito Público, o legislador optou por logo na esfera trabalhista, que por muitos é conceituada como Direito Social, por lei vedar ultratividade dos instrumentos normativos pactuados pelas partes.
Essa limitação legal atacou frontalmente a Jurisprudência da maior corte trabalhista do país, já que o TST, inclusive, já tinha sumulado o tema, vale citar: “Súmula 277 do TST. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE. As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificados ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho”.
No atual cenário político e jurídico que se encontra o país, da chamada onda neoliberal que cada dia ataca mais os direito e conquistas dos trabalhadores, o fim da ultratividade das normas. coletivas de trabalho foi visto como um freio nos avanços alcançados pelas categorias organizadas, que antes podiam negociar sua pauta reivindicatória com tranquilidade, e que passaram a temer o corte de direitos ao fim das vigências de seus instrumentos normativos.
Neste cenário observamos que a Petrobras publicou em seu sítio eletrônico série de “perguntas e respostas” a pretexto de esclarecer dúvidas sobre a proposta final para o ACT 2019/2020. Dentre as “respostas” apresentadas pela empresa, consta que com o fim da vigência da norma coletiva irá aplicar o que estabelece a CLT, deixando de lado “as práticas atuais”.
Para a categoria que durante muitos anos lutou para conquistar avanços nas relações de trabalho, em especial no seu instrumento normativo (ACT), ver tudo isso ser ameaçado ao piso da Lei, em especial, ao que restou após a reforma trabalhista, com a retirada de direitos, da flexibilização das normas e das relações contratuais. Todo receio é justificado.
Agir sob a pressão e medo também não é a melhor forma de encarar os desafios do momento. A aceitação da imposição de vontade do outro neste momento pode ser um caminho sem volta. Não apenas observando a última proposta da Empresa, que rebaixa e retira direitos, mas o ato da aceitação, em si, que demonstra a submissão necessária para que o outro avance ainda mais sobre o derrotado.
É importante destacar que a proposta de ACT é de apenas um ano. Assim, em menos de doze meses as tratativas negociais serão retomadas para o próximo ACT, e neste futuro próximo já teríamos um patamar rebaixado.
O Acordo Coletivo de Trabalho lida com vários regramentos de natureza contratual, reajustes, regime de trabalho, meio ambiente de trabalho, saúde, relações sindicais, enfim, de obrigações e direitos recíprocos. É um instrumento que interessa a todos, pois só através da livre negociação se alcança a paz social e segurança jurídica para patrões e empregados.
O fim da vigência e as ameaças de mudanças abruptas podem causar prejuízos a ambos os lados. A Companhia não pode manter o que lhe interessa e deixar de cumprir o que interessa aos trabalhadores.
A Empresa sempre vai se interessar nas questões relacionadas aos regimes de trabalho, que são fundamentais para a manutenção da produção e da sua lucratividade, além de possuir estrutura preparada para isso. E se for aplicar a Lei passariam a utilizar o regime de turno de seis horas diárias por seis dias na semana? Ou o regime de doze horas de trabalho seguido por trinta e seis de descanso consecutivos? E o que ultrapassar tal jornada seria pago como horas extras? É uma situação que denota insegurança para ambos os lados, pois tudo tem consequências.
É hora de resistir com estratégia. De confiar mais em quem está ao lado e não baixar os olhos quando olha para cima. É ainda mais relevante o papel das lideranças e dirigentes sindicais para medir suas responsabilidades neste momento, para saber ouvir e falar o que realmente interessa à categoria e suas conquistas.
Cleriston Bulhões – Sócio do Escritório Lacerda, Mattei e Bulhões Advogados Associados – Assessor Jurídico do SINDIPETRO-Bahia
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