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Publicado: 05/11/2018 | 2175 visualizações

Crime da Samarco completa três anos e vítimas seguem sem reparação

Para protestar, atos serão realizados nesta segunda-feira, em Mariana. Em Londres, na Inglaterra, uma comitiva de atingidos e parceiros irá a uma das sedes da BHP, uma das acionistas da Samarco.

Três anos após o rompimento da Barragem de Fundão, no município de Mariana (MG), vítimas do crime da Samarco (Vale/BHP Billiton) seguem sem reparação. Vera Lúcia Aleixo Silva, que saiu da casa onde morou por 43 anos levando apenas a roupa do corpo, no dia em que comemoria o próprio aniversário, o do marido e o do filho, foi uma das atingidas pelo rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro pertencente a empresa Samarco, controlada pela Vale e BHP Billiton. O bolo, a cerveja e o congelador cheio de carne para a comemoração dos aniversários foram deixados para trás – assim como os móveis, documentos, fotografias e lembranças, segundo reportagens de Júlia Rohden e Wallace Oliveira, do Brasil de Fato.

Vem essa lama e destrói toda a nossa vida, os nossos sonhos, nosso sossego, a nossa saúde

- Vera Lúcia Aleixo Silva

Para protestar contra essa situação, atos serão realizados nesta segunda-feira (5), dia em que a barragem rompeu. Em Mariana, às 17h, haverá concentração na praça Minas Gerais, com lançamento de uma carta de reivindicações. Em Londres, na Inglaterra, uma comitiva de atingidos e parceiros comparecerá a uma das sedes da BHP, uma das acionistas da Samarco.

Durante dez dias, o Movimento dos Atingidos por Barragens realiza ações de denúncia ao longo da Bacia do Rio Doce. Os protestos começam em Mariana e passam por outras 13 cidades de Minas Gerais e Espírito Santo, como Ipatinga, Naque, Cachoeira Escura, Governador Valadares, Colatina, Resplendor, Itueta e Regência. Nesses lugares, haverá feiras de saúde, caminhadas, atos culturais e celebrações religiosas.

“Fomos prejudicados, fomos massacrados. Esse crime tocou a gente da nossa realidade, cortou a nossa identidade, apagou nosso futuro e abortou todos os nossos sonhos”, declarou Luzia Queiroz, representante de Paracatu de Baixo, em coletiva de imprensa, na manhã de quinta-feira (1º). A entrevista, realizada na sede do Sindicatos dos Jornalistas de Minas Gerais, em Belo Horizonte, contou com a presença de moradores de Bento Rodrigues e Paracatu e técnicos da Cáritas Regional Minas Gerais, entidade que presta apoio às famílias na região.

Danos sem reparação

O maior crime ambiental da história do país aconteceu há três anos. A barragem de rejeitos da mineradora Samarco rompeu às 16h20 do dia 5 de novembro de 2015, liberando cerca de 60 bilhões de litros de água e rejeitos de mineração. A lama causou a morte de 19 pessoas (moradores e funcionários da empresa), destruiu distritos do município de Mariana, acabou com propriedades rurais ao longo de quilômetros, matou a Bacia do Rio Doce, causando prejuízos a milhares de pessoas em Minas e Espírito Santo, e contaminou o litoral capixaba.

“A gente falava o tempo todo que Bento corria risco, a gente sabia o que ia acontecer e a empresa falava: ‘não tem risco, é seguro’. Muitos engenheiros falaram que morariam até debaixo da barragem, até chegar o dia em que acabaram com nossa comunidade. Aquilo foi um crime anunciado! Hoje tem sirene para todos os lados. Mas, quando vivíamos lá, não tinha sirene, não tinha nem um treinamento de fuga”, conta Antônio da Lua, morador de Bento Rodrigues, primeiro local atingido pela lama. O povoado, que surgiu no século XVIII, ficou inabitável após o crime. 

Luzia Ferreira, moradora de Paracatu de Baixo, lembra que os prejuízos não foram apenas econômicos. Pessoas perderam vínculos com familiares e amigos, ao terem que ir morar na cidade, e enfrentam dificuldades para se adaptar. Muitos adoecem, têm problemas como síndrome do pânico, depressão, tentativas de suicídio e até perdas de memória. “As crianças estão desestimuladas, os adultos ociosos. Na roça, todos sabiam o que fazer. Levantava cedo, dormia cedo. Comia-se muito bem, vestia-se bem. No nosso território, ao sair, guardávamos a chave embaixo do tapete só para a criação não entrar. Aqui, muita gente teve que aprender a cozinhar no fogão a gás, usar celular”, relata.

Luzia quer saber se esse modo de vida poderá ser recuperado quando a comunidade for reassentada. “Está vindo um reassentamento e ele vai vir muito bonito, maravilhoso. Mas nós não temos a nossa cachoeira, não temos as nossas águas, não temos a nossa liberdade”, questiona.

A espera de um novo lar

“No dia 5 de novembro [de 2015] eu estava preparando a casa para receber a família e os amigos para comemorar o aniversário do meu marido, do meu filho e o meu. Nós sempre comemoramos tudo junto”, lembra Vera Lúcia Aleixo Silva, moradora da comunidade Gesteira, no município de Barra Longa (MG), às margens do Rio Gualaxo do Norte. “Por volta das 17h40, ao invés das pessoas ligarem para dar os parabéns, ligavam dando a notícia que tinha estourado a barragem em Mariana”.

Ao longo dos mais de 140 quilômetros que a lama percorreu são constantes relatos de moradores com problemas respiratórios e descamação da pele, além do aumento de casos de depressão. Amadeu, o marido de Vera, ficou deprimido e seu filho, Júlio César, teve manchas no corpo diagnosticadas como estresse.

O casal vive agora no centro de Mariana em uma casa alugada pela Renova, empresa criada para atuar na compensação dos impactos do rompimento da barragem, formada por representantes da Samarco, Vale e BHP Billiton, e do poder público, estadual e federal, além de entidades ambientais. “A gente quer retornar para lá, porque não adianta ficar aqui em Mariana. Se nós ficarmos aqui, meu marido morre em pouco tempo”, diz Vera. Amadeu trabalhava na roça e não tem qualquer sensação de pertencimento à cidade. Ele sente falta do campo e da criação dos animais.

Eles viram seu lar sendo derrubado pela lama, do alto de um morro. Dali, precisaram caminhar cerca de duas horas pela mata até chegar a estrada que dá acesso à Mariana. Ficaram abrigados por 42 dias na casa da cunhada até que a Renova alugou a residência temporária.

“A minha casa foi criação minha, dos meus filhos e do meu marido. E essa não é igual. Estou em uma casa que não é minha, não me sinto em casa”, relata. Vera, Amadeu e os moradores de Gesteira aguardam o reassentamento prometido pela Renova. O prazo era final de 2017, mas a empresa alegou problemas na compra do terreno. Os atingidos seguem aguardando o reassentamento.

Negligência

A aposentada reclama do descaso. Segundo ela, a Renova realiza vários estudos, mas não toma atitudes práticas. “Passei minha infância, minha juventude, casei e criei meus filhos na comunidade. Lutei para construir minha casa e no dia 5 de novembro veio esse desastre. Pela forma que a empresa nos trata, dá impressão que nós somos culpados”, afirma.

Um inquérito da Polícia Federal, apresentado em 2016, apontou que houve negligência por parte da mineradora Samarco. De acordo com o documento, houveram falhas graves de manutenção da barragem e a empresa não tomou as providências necessárias diante de problemas detectados por consultores e informados desde 2014.

“Nós não somos animais, somos seres humanos! Se a empresa sabia que podia nos afetar, deviam ter nos preparado. Eles não podiam ter deixado a gente passar por tudo o que passou”, critica Vera.

Atingidos não reconhecidos

De acordo com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o rompimento da barragem de Fundão atingiu mais de um milhão de pessoas, mas a Renova estima realizar apenas 30 mil cadastros.

Vera Lúcia era funcionária da prefeitura de Barra Longa e também atendia os vizinhos em um salão de beleza dentro da própria casa. Os atingidos que perderam sua fonte de renda recebem um salário mínimo mensal por família, mais 20% para cada dependente. O marido de Vera, trabalhador rural, recebe o salário, mas ela não. “Perdi a renda do salão, mas a empresa não reconhece” aponta, calculando que seu lucro era cerca de R$ 300 por semana.

“Como [em Mariana] vou colocar gente estranha dentro da minha casa para escovar cabelo e fazer unha? Lá eu podia botar dentro da minha casa e até sair, porque todo mundo era conhecido. Aqui é só desconhecido”, ressalta.

Fonte - CUT