Destilação principal corta produção na terça.
A Refinaria Landulpho Alves - Mataripe (RLAM), segunda maior do Brasil, deve iniciar as operações de parada de produção na próxima semana. O corte de carga da U-32, principal unidade de destilação da refinaria, está previsto para terça, dia 20.
Primeira refinaria nacional de petróleo, nasceu em setembro de 1950, impulsionada pela descoberta do petróleo na Bahia e pelo sonho de uma nação independente em energia. Com a criação da Petrobras, em 1953, a refinaria foi incorporada à recém criada companhia.
Localizada no Recôncavo Baiano, sua operação possibilitou o desenvolvimento do primeiro complexo petroquímico planejado do país e maior complexo industrial do Hemisfério Sul, o Pólo Petroquímico de Camaçari. Juntos, esses dois complexos industriais - Refinaria e Pólo -, respondem por quase 50% da arrecadação de ICMS do Estado da Bahia.
A parada da RLAM acontece num quadro de forte redução da utilização do parque de refino nacional. Cinco refinarias da Petrobras (RLAM, REMAN, REDUC, REFAP e RPCC), segundo dados do MME - Ministério de Minas e Energia -, já operam com utilização de capacidade inferior a 75%. Há uma invasão de produtos importados no mercado brasileiro de combustíveis, o que restringe o escoamento da produção das refinarias nacionais. Em 2017, foram importados mais de 200 milhões de barris de derivados de petróleo, número recorde na série histórica da ANP - Agência Nacional do Petróleo.
A refinaria de Mataripe, que em 2014 processava mais de 300.000 barris diários de petróleo, hoje refina cerca de 190.000, saindo de mais de 80% para 51% da sua capacidade instalada (Fonte: MME). Isso eleva os custos unitários de produção dos derivados, fazendo com que o refino da Petrobras perca grande potecial gerador de caixa. Além dos impactos na receita da estatal, o movimento amplia a remessa para o exterior dos dólares usados para importar os produtos.
A construção do atual cenário se inicia após a Petrobras, que tem quase 100 por cento da capacidade de refino do Brasil, abrir espaço para a concorrência desde que adotou a política de subutilização do refino atrelada à prática de preços em 'paridade' com o mercado internacional. Por conta dessa estratégia casada, de 2016 para cá houve aumento de cerca de 50% no número de importadores cadastrados pela ANP.
O economista William Nozaki, integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas da Federação Única dos Petroleiros (GEEP-FUP), descreve com detalhes o processo de substituição da produção nacional no artigo "A festa das importadoras estrangeiras no mercado de derivados de óleo e gás no Brasil" (http://www.fup.org.br/geep-fup/item/21668-a-festa-das-importadoras-estrangeiras-no-mercado-de-derivados-de-oleo-e-gas-no-brasil).
Na Bahia, o volume de óleo diesel importado representava apenas 4% do total consumido em 2016, segundo dados da Secex (Secretaria de Comércio Exterior do Governo Federal). Com as mudanças, hoje já responde por 22%. O volume ingressado somente no último mês de 2017 já equivale a 42% de todo diesel importado em 2016.
Os prejuízos da importação de derivados se agravam devido às fraudes no setor. As regras são frágeis, o que facilita a fraude e a sonegação, utilizadas pelos empresários para ampliação das margens de lucro. Importa-se gasolina, por exemplo, declarando-a como nafta petroquímica, que é isenta de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE).
Em relação à fraude na destinação, destaca-se a questão do ICMS. Com a variação das alíquotas, o empresário informa que está importando o produto para um estado de alíquota menor, quando na verdade o produto é destinado a outro, de alíquota maior. A Bahia, nesse contexto, estaria perdendo arrecadação da comercialização dos principais combustíveis: diesel e gasolina. Para o primeiro, a alíquota baiana é de 17,0%, enquanto a média nacional é 15,5%. Para o segundo, o estado cobra 27,0%, frente uma média brasileira de 26,3%. Ocorrendo fraude, o volume real de óleo diesel importado para a Bahia pode ser maior que os 22% oficialmente contabilizados.
A atual política de preços e de subutilização do refino brasileiro segue, apesar dos danos econômicos causados ao país e à sociedade em geral, consolidando a importação de derivados, na medida em que novos agentes ganham musculatura, aprendem a dinâmica do mercado e descobrem fluxos logísticos que permitem melhorar seu posicionamento. Reflexo disso é a parada de uma refinaria do porte da RLAM, que deverá desafogar seus estoques, enquanto os importadores aceleram o domínio do mercado. Confirmando-se a tendência, a expectativa é que a segunda maior refinaria nacional, ativo essencial à Bahia, não retorne à operação.
Os impactos socioeconômicos aos municípios, ao Estado e ao Brasil seriam desastrosos. Para Deyvid Bacelar, coordenador do Sindicato dos Petroleiros da Bahia, esse é mais um capítulo da dilapidação do patrimônio nacional. "A sociedade baiana deve se manifestar e exigir dos representantes políticos que esse assunto seja colocado no centro do debate. Os meios de comunicação e as instituições também não podem se omitir".
Em As luzes de Mataripe, Jorge Amado lembra que "a nova estrela a iluminar as trevas foi ali colocada pelas mãos do povo". Que o povo tire a RLAM das mãos daqueles que querem apagar essa nossa histórica riqueza.
Precisamos correr.