Na quarta-feira 15, o plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu revogar a cautelar que impedia a venda de ativos da Petrobras. A partir da decisão do TCU, a privatização da BR Distribuidora vai recomeçar do zero. Já os projetos de alienação dos projetos Ópera e Portifólio 1 foram liberados, sob o argumento questionável que estavam muito adiantados e representam quantias significativas.
O resultado da decisão do TCU tem dois lados. Por um lado, ganha-se mais tempo de denúncia do processo. Mas, por outro lado, a decisão inegavelmente legitima procedimentos de privatização estranhos à legislação, embora fazendo concessões de melhorias cosméticas no item publicização. Antes, o método de privatização disfarçada da BR Distribuidora foi questionado por técnicos do TCU, abrindo um debate que paralisou o processo.
A política de venda de ativos da Petrobras é uma espécie de “privatização branca”, no essencial pior que a velha privatização praticada no governo FHC. Naquela época, havia ao menos um rigoroso processo, com etapas definidas em lei aprovada no Congresso Nacional, que determinava procedimentos e permitia algum debate na sociedade. As empresas eram arrematadas em leilão na bolsa de valores, em frente às câmaras de televisão.
Atualmente, a estratégia de privatização da Petrobras obedece a duas táticas complementares: a privatização de empresas subsidiárias (a apelidada política de “desinvestimento”) e a venda de blocos de exploração e extração de petróleo (os chamados “ativos”).
No momento o caso mais saliente de “desinvestimento” é a venda da BR Distribuidora. Por seu turno, em outra esfera concomitante de privatização, põe-se à venda a participação da empresa em águas rasas nos Estados de Sergipe e Ceará. E mais o bloco exploratório BM-S-8 (Carcará), localizado no pré-sal da bacia de Santos, 100% do campo de Baúna (pós-sal da bacia de Santos) e 50% do campo Tartaruga Verde (no pós-sal da bacia de Campos).
Ora vejam, pretendem vender a BR Distribuidora (comprador ainda não divulgado), em uma conjuntura de recessão, quando o valor de mercado das empresas cai.
Até mesmo para aqueles que, eventualmente, defendem privatizações, este é o pior dos momentos para vender o patrimônio do povo brasileiro. De fato, acaso privatizadas, as empresas do setor petroquímico, de fertilizantes e de biocombustíveis, o escopo da Petrobras reduzir-se-á à produção de petróleo, enquanto a tendência internacional é transformar as petrolíferas em empresas de energia.
Pretende-se vender uma das joias da coroa da Petrobras – a BR Distribuidora, que leva a bandeira da empresa a todos os recantos do Brasil com 7,5 mil postos de combustíveis. No capitalismo de hoje, a marca é fundamental. Perguntem às outras grandes petroleiras se pretendem vender a toque de caixa os seus postos de distribuição? Claro que não, pois elas sabem que isso certamente afetaria a difusão da marca.
A BR Distribuidora é uma empresa lucrativa e de inegáveis potencialidades. A arrecadação se manteve positiva até 2015. Naquele ano, em função da recessão, pela primeira vez desde 1999, a empresa apresentou resultado negativo. Vale dizer: um resultado totalmente conjuntural.
A direção da Petrobras pretende entregar as empresas subsidiárias com base num procedimento trapaceiro com base no Decreto 2.745/1998 (Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado no setor do petróleo), que trata de processos de fluxo contínuo da empresa.
Ora, esse decreto faz sentido para a contratação de compras e serviços correntes, cotidianos, menores, com base na adoção de modalidade inspirada na carta-convite. Esse regime é absolutamente impróprio para lidar com venda de um patrimônio da dimensão da BR.
O apelidado “desinvestimento da Petrobras” afigura, de forma inequívoca, privatização de empresas públicas, na qual, ao fim e cabo, o Estado perderá o controle acionário de empresas públicas. Ao vendê-las, a direção da Petrobras desrespeita a Lei 9.491/1997, que dispõe sobre o Programa Nacional de Desestatização, e o Decreto 2.594/1998, que trata dos procedimentos de avaliação.
A lei exige procedimentos públicos para a venda de qualquer empresa nacional, como, por exemplo, a recomendação da venda em reunião do Conselho Nacional de Desestatização; o depósito de ações da empresa no Fundo Nacional de Desestatização (FND); divulgação dos processos de desestatização pelo gestor do FND; publicação de edital, com justificativa da privatização; indicação do valor econômico da empresa; auditoria externa; oferta de parte das ações aos emprega dos da empresa; enfim, licitação.
Já a venda dos blocos, como a participação em Carcará, também não tem amparo legal, por desrespeitar a Lei 8666/1993, que institui normas para licitações, contratos e a transferência de domínio de bens a terceiros em processo de alienação.
Durante anos, os tucanos consideraram um exagero as perspectivas mais otimistas em relação ao pré-sal. Agora no governo, Pedro Parente (Presidente da Petrobras) reconhece haver duas áreas de exploração que provocam maior interesse dos investidores internacionais, o shale gas americano e o pré-sal brasileiro. O problema é que, em vez de a Petrobras explorar essa riqueza, preferem entregá-la a preço vil.
Trata-se de verdadeiro acinte. O governo Temer está burlando a lei, em especial a da desestatização. E o TCU, bastante rígido em outro momento político, deu à Petrobras o direito de privatizar o que quiser e definir um procedimento próprio, mantendo inclusive a carta convite, desde que dê publicidade e confira o direito para outros interessados se manifestarem.
Temer e Parente estão fazendo ouvido de mercador às leis, passando por cima de procedimentos legais. Por muito menos e nenhum crime, a presidenta Dilma foi impichada. O temporas, o mores!
Fonte: Carta Capital